porque o livro essencialismo não é para você

finalizei a leitura do livro essencialismo – a disciplinada busca por menos, de greg mckeown, esse mês. e, deixa eu te dizer uma coisa: apesar de trazer algumas ideias bacanas, esse livro não é bom. pelo menos, essa é a minha opinião. e eu escrevi esse texto e também gravei um vídeo (no youtube, meninas!) para te explicar os motivos pelos quais eu não te recomendo a leitura.

o livro

o primeiro capítulo do livro explica o que significa ser um essencialista. basicamente: o essencialista não faz mais coisas em menos tempo – ele faz as coisas certas.

na contracapa do livro, lemos:

o essencialismo é mais do que uma estratégia de gestão do tempo ou uma técnica de produtividade. trata-se de um método para identificar o que é vital e eliminar todo o resto, para que possamos dar a maior contribuição possível àquilo que realmente importa.

a partir do segundo capítulo, então, o livro se organiza em quatro partes. as três últimas representam seriam o caminho do essencialista (ou, em outras palavras, o método em si). são elas:

  1. essência – qual é a mentalidade básica do essencialista?
  2. explorar – como discernir as muitas trivialidades do pouco que é vital?
  3. eliminar – como excluir as muitas coisas triviais?
  4. executar – como fazer quase sem esforço as poucas coisas vitais?

não vou resumir o livro aqui. dei uma procurada no youtube e vi que existem vários resumos do livro. então, vou seguir para as minhas percepções do livro.

falta método

por mais que o livro esteja organizado a partir do método proposto pelo autor… não há método. e isso é algo que me incomoda bastante no livro. o autor indica que devemos escolher, discernir, escapar, olhar, selecionar, esclarecer, ousar, editar (dentre outros verbos) e explica a importância de cada um deles. mas não nos indica como fazê-los.

essas ações parecem ser passos do método. intitulam os capítulos e se organizam dentro das partes do livro que te guiam pelo caminho do essencialista. no entanto, elas se misturam com outros verbos, tais como brincar e dormir. “método” e princípios se misturam sem cuidado.

depois de finalizar o livro, o leitor precisa criar seu próprio plano para ter uma vida mais essencialista. cabe ao leitor distinguir método de princípio e fazer seu próprio caminho. o problema, ao meu ver, é que essa é a parte mais difícil para as pessoas: o que eu faço com isso? a partir do momento que eu entendo que preciso perder para ganhar, explorar, escapar, selecionar, esclarecer, me descomprometer, editar, limitar etc. – o que eu faço? qual é minha próxima ação? como eu sustento essa rotina? como eu traduzo esses princípios para o meu dia a dia? ao meu ver, um método de fato seria capaz de responder essas perguntas que o livro não responde.

saudades contexto

e por que as pessoas não conseguem ser essencialistas?

a falta de método, ao meu ver, é um reflexo da falta de contexto. não há nenhuma discussão sobre organização para que seja possível dormir melhor, brincar mais ou ter suporte para escolher, discernir ou descomprometer-se. e, pior, não há nenhuma discussão sobre as dificuldades de ser essencialista quando não se tem dinheiro.

todo capítulo (ou quase, não fui conferir) começa com uma história de algum ceo ou grande gestor de uma grande empresa. não há pessoas como eu ou você nesse livro.

há um caso com o qual podemos nos relacionar: uma pessoa que recebe x dinheiros por hora e percebe que poderia receber o dobro desse dinheiro em outro trabalho. essa pessoa, então, decide mudar de trabalho para receber mais dinheiros em menos horas. PLOT TWIST: essa pessoa é o próprio autor do livro – quando ele tinha oito anos de idade. ou seja: sem nenhuma preocupação de vida adulta. não quero menosprezar sonhos infantis, mas: trabalhar para conseguir trocados para comprar carrinhos de brinquedo não é o mesmo que receber um salários (mesmo que baixo) para pagar aluguel. deixar de brincar com os colegas por uma hora para entregar jornais em um país de primeiro mundo não é o mesmo que deixar de almoçar com sua família para cozinhar brigadeiros para vender no dia seguinte, depois do seu expediente, para ter dinheiro para pagar a conta de luz.

quem pode ser essencialista, afinal de contas?

os essencialistas versus os não essencialistas

ao final do livro (no capítulo 20, para ser mais específica), o autor explica que todos temos um pouco de essencialista e um pouco de não essencialista. isso, no entanto, não é suficiente para desfazer a dualidade entre seres essencialistas e não essencialistas que cria ao logo do livro.

nos 19 capítulos anteriores, o autor exemplifica práticas das pessoas não essencialistas e as contrasta com práticas de pessoas essencialistas. essa escrita, por sinal, é de uma filosofia bastante essencialista – no sentido de que existe uma essência dentro de cada um. essa essência seria essencialista ou não essencialista.

confuso? pois bem: no próprio capítulo 20, ao tentar explicar que cada um de nós tem um pouco de essencialismo e não essencialismo dentro de nós, o autor finaliza o parágrafo com a seguinte pergunta: quem está no núcleo? ou, em outras palavras: qual é a sua essência?

essa é uma perspectiva problemática porque divide as pessoas em dois grupos: aquelas cujo núcleo é essencialista e aquelas cujo núcleo é não essencialista. o primeiro grupo é moralmente superior. e o problema da sociedade é que existem muitas pessoas cujo núcleo é não essencialista. então, ao mesmo tempo que todos podemos nos transformar em essencialistas… não podemos.

o caminho do essencialista é, ao mesmo tempo, vendido como muito simples – mas, para poucos. o essencialista é moralmente superior. não é a toa que o autor classifica como essencialistas personalidades como steve jobs, gandhi, rosa parks, nelson mandela e – pasme – jesus, maomé e thoreau. os não essencialistas, provavelmente, são como eu e você: pessoas que tem escolhas mais limitadas pelo sistema.

o indivíduo todo poderoso

o livro nos vende essa ideia de que toda e qualquer pessoa pode ser mais essencialista. e os problemas do mundo seriam resolvidos se todas as pessoas escolhessem esse caminho. pois bem: não é assim que funciona.

eu entendo que se todos os professores dissessem, ao mesmo tempo: não aceitamos essas condições de trabalho porque elas não são essencialistas – e apresentassem para os governantes propostas mais inteligentes de organização do trabalho docente, de fato, talvez observaríamos mudanças nas escolas. por que, então, os professores não o fazem? ou, melhor, por que quando o fazem vemos poucas melhorias nos sistemas de ensino?

os professores são pouco essencialistas? ou os governantes são pouco essencialistas?

quando não entendemos o contexto e individualizamos a discussão, nos fazemos essas perguntas que não nos levam a lugar algum. afinal, qual seria a resposta? ensiná-los o caminho do essencialismo? isto bastaria?

ser essencialista me parece quase sinônimo de ser empreendedor: se você é um professor insatisfeito com a escola onde trabalha, crie sua própria escola. ou, crie sua própria empresa.

o livro nos vende essa ideia de que temos todo o poder. basta escolhermos o caminho que gostaríamos de seguir. e é claro que eu concordo que temos poder e escolhas – porém, não podemos ser ingênuos. algumas pessoas tem mais escolha do que outras. de novo: precisamos entender do contexto pois, quando colocamos o indivíduo como todo poderoso reproduzimos a noção meritocrática de que as pessoas só estão onde na pobreza por conta de sua mentalidade ou unicamente por conta de suas ações – nesse, caso, ações não essencialistas.

um papo interessante para empresas

muito do livro é sobre como utilizar o tempo de forma mais inteligente profissionalmente. isso, é claro, tem impactos na nossa vida pessoal. mas, não se engane: o objetivo é trabalhar melhor. ser mais produtivo – no sentido de alcançar resultados melhores com menos esforço. neste livro, tempo é dinheiro – e o essencialista faz mais dinheiro em menos tempo usando o tempo de maneira mais inteligente.

o meu problema é: o livro tenta traduzir práticas empresariais para o dia a dia pessoal. não somos empresas e não funcionamos como empresas – por mais que tentem nos convencer do contrário. e eu escreverei ainda um texto dedicado a isso. aqui, vale dizer que: para empresas, esse é um livro que vale a pena.

ele não apresenta método, mas valores legais para serem seguidos por empresas. enquanto funcionária, eu prefiro trabalhar em empresas que não fazem reuniões que não levam a lugar nenhum – assim uso meu tempo de uma forma mais inteligente. eu prefiro trabalhar em uma empresa que respeita e incentiva a autonomia de seus funcionários. eu prefiro não bater ponto, por exemplo. e essa é uma perspectiva pessoal de como prefiro trabalhar.

por isso, se você tem uma empresa: talvez esse livro faça sentido pra você.

insights bacanas

esse livro nos faz pensar naquilo que realmente importa pra nós. se você faz parte de um grupo de pessoas no sistema capitalista que pode pensar, por exemplo, em carreira, os insights são bons.

ele nos faz refletir se vale a pena pegar esse freela que paga mal porque ele nos oferece muita oportunidade de networking. ou se, por outro lado, vale a pena negar o freela que paga super bem porque na verdade o que queremos é passar num concurso público – e precisamos mais do tempo para estudar do que do dinheiro que ele vai oferecer.

ele nos questiona sobre o sentido das nossas escolhas, das mais cotidianas às mais monumentais.

você só não precisa ler o livro para se fazer esses questionamentos. na verdade, sempre indico aqui caminhos melhores para isso. caminhos de questionamento que não vão te fazer passar raiva e nem vão demandar o esforço de tentar adaptar o que está sendo dito para a sua vida. caminhos que não vão te culpabilizar e nem contribuir para que você se sinta frustrada.


se você já leu o livro, por favor, me conta o que achou. você concorda com o meu ponto de vista? já tinha pensado nesses pontos? vamos conversar <3

3 Comments

  1. Eliza

    Ei, Letícia! Passando para parabenizar e agradecer pelo seu conteúdo. Tem muito material na internet sobre organização pessoal, mas percebo que carecem de um senso político que você traz no seu, o que é bem interessante. Espero que possamos aprender com todas, mas que especialmente se propague mais uma visão como a sua, mais generosa.

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