protagonismo ou culpabilização?

esse é um texto que esta na minha lista há bastante tempo – e, finalmente, acho que este é um bom momento para escrevê-lo.

quero conversar um pouco sobre a moda do protagonismo do aluno com relação a sua aprendizagem – o que poderia significar e o que acontece na prática. em seguida, discuto um cadinho sobre os efeitos dessa ideologia no nosso dia a dia.

protagonismo – o que parece ser & o que gostaríamos que fosse

comecei a pensar neste tema ao analisar um projeto político pedagógico de uma escola particular de educação infantil onde estagiei. o documento indicava que a pedagogia da escola (ou seja, toda sua estrutura – da organização dos tempos e espaços, ao currículo e à didática) fora construída a partir da noção que a criança deveria ser protagonista de sua aprendizagem.

e isso parece bom. certo?

é fácil concordar que os alunos devam, sim, ser protagonistas de sua aprendizagem. abordagens e metodologias ativas são, de verdade, incríveis. o processo de ensino e aprendizagem é mais significativo para professoras e alunas – independente da idade – quando estruturamos a experiência pedagógica a partir do estudante.

para mim, isto significaria entender o aluno como protagonista. seguindo a metáfora: significaria conhecer o estudante e criar, para ele, um caminho – para que ele caminhe! construir para ele cenário e roteiro e fornecer as ferramentas necessárias para aprender.

para que isso seja feito, é necessário muito trabalho de bastidores. professores precisam planejar muito. precisam cuidar do processo. é necessário que a instituição educativa tenha estrutura – da organização do tempo e do espaço escolar, à organização curricular. sem essa estrutura, dificilmente os professores conseguirão materializar esta concepção.

essa estrutura não existe. e, por isso, o protagonismo, na prática, significa outra coisa.

culpabilização – o que é

a noção de protagonismo, na educação, tem aparecido como materialização, nas escolas, da ideologia empreendedora meritocrática. a escola existe como existe – e o aluno é responsabilizado por sua própria aprendizagem. ou, melhor: culpado por não aprender.

quando não há a estrutura necessária para de fato colocar o aluno como centro do processo de ensino aprendizagem, e, mesmo assim, se insiste na ideia de protagonismo, ocorre um “cada um por si”. a escola se desresponsabiliza. neste cenário, para ser protagonista de sua aprendizagem, o aluno deve ser empreendedor. enxergar desafios como oportunidades. ser inventivo. neste cenário, o aluno é protagonista de um filme que ele mesmo escreve, dirige, produz, edita e atua – e o professor e a escola sequer precisariam existir. é o seja você sua própria escola.

assim como ocorre no mundo do trabalho hoje, o indivíduo é responsável por si – e culpado por seu fracasso.

responsabilidade & autonomia

entender o cenário da educação é importante para que a gente se localize. o que se espera de mim enquanto professora? o que se espera de mim enquanto estudante? o que posso esperar dos meus professores? o que posso esperar dos meus estudantes?

dificilmente você estudará em uma escola que te ajudará a construir autonomia para estudar. porque o que nós entendemos como autonomia não é o mesmo que essas escolas entendem como autonomia.

professores e alunos tem responsabilidade. o que eu quero, com este texto, é alertar que precisamos compreender sobre quais são as responsabilidade de cada um no processo de ensino e aprendizagem. para que você – seja aluna ou professora – não seja culpada por conta dessa ideologia.

no fim das contas, pela forma como as coisas se estruturam hoje, nós precisamos individualmente construir nossa autonomia – porque, se não o fizermos, ninguém o fará por nós. no entanto, precisamos também entender esse contexto para lutar por uma educação em que de fato essa autonomia possa ser construída na escola, fora da noção meritocrática empreendedora.


é necessário que a gente entenda os nossos limites e de onde eles vem.

pra gente se organizar e estudar com mais clareza & calma. sem culpa.

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