um dos objetivos da organização pessoal é o aumento da produtividade pessoal. muitas profissionais trabalham com essa perspectiva. eu inclusa. o que muda, além da metodologia de ensino e que se ensina, é a noção de produtividade da profissional.
aqui, muitas vezes, já descrevi: a minha visão de produtividade é muito próxima àquela que david allen apresenta no livro a arte de fazer acontecer. a produtividade é entendida como presença. produtivo é fazer o que mais faz sentido em um determinado momento – e isso pode ser estudar inglês, fazer crochê, comer ou dormir. e ter um sistema de organização (no caso do livro, estruturado com os princípios do método getting things done) contribui para que tomemos melhores decisões no dia a dia.
eu concordo. mas tenho pensado se ainda vale a pena chamar isso de produtividade.
produtividade no trabalho
empresas são produtivas. e precisam ser. e a produtividade das empresas pouco tem a ver com presença, mas com capitalismo. as empresas precisam ser rentáveis. para isso, precisam otimizar processos. produtividade é fazer mais com menos – e existem profissões dedicadas a estudar e analisar diferentes aspectos de uma cadeia de produção para torná-la – isso mesmo! – mais produtiva.
o que isso tem a ver com a produtividade pessoal? tudo. porque cada vez mais somos forçadas a olhar nossas vidas como empresas. em todos os âmbitos. quem nunca ouviu que educação é um investimento? há diversos canais de finanças que nos incentivam a criar planilhas de controle financeiro como se fossemos empresas. cada vez mais, tempo é dinheiro.
e, sob esta ótica hegemônica, devemos ser produtivos – no sentido de produzir e otimizar – todo o nosso tempo e todas as esferas da nossa vida.
é uma questão contextual, que vai além dos indivíduos e nos afeta coletivamente. se tantas de nós somos autônomas e se o estado não fornece o mínimo de segurança material, o que nos resta é a produtividade. mesmo que discordemos: se não formos minimamente produtivos na nossa vida pessoal, estamos quase que literalmente perdendo dinheiro.
por isso, faz sentido que não apenas empresas, mas também pessoas, procurem aumentar a produtividade nos dias de hoje.
pessoas produtivas, empresas produtivas
um dos muitos problemas impostos por esta perspectiva neoliberal dominante é que também nas empresas os funcionários são compreendidos como empresas. é literal: os colaboradores, quando não são autônomos contratados para projetos específicos, são contratados enquanto pessoas jurídicas.
uma das consequências é a transferência da responsabilidade pela produtividade da empresa-empresa para o colaborador-empresa. esta é a minha percepção: quando muito, as empresas oferecem treinamentos para o aumento da produtividade individual. mas não há uma preocupação com a estrutura da empresa, sua organização do trabalho e outros aspectos que não cabem à ação individual dos funcionários.
talvez por isso também a grande procura por motivação. afinal, a motivação é do âmbito individual: uma empresa não precisa estar motivada, ela precisa funcionar independente da motivação dos funcionários.
um problema que se coloca a partir dessas constatações é a produtividade ter se deslocado do campo material para o campo do sentimento. é possível medir a produtividade de uma empresa a partir de números e testes. mas como medir a produtividade pessoal?
ainda é produtividade?
se é o sujeito que define seus critérios para o que significaria ser ou não produtivo, talvez não estejamos falando de produtividade. talvez estejamos definindo critérios para dias ou semanas agradáveis, equilibradas, com foco nas nossas prioridades.
se a palavra produtividade se refere ao mundo do trabalho, talvez fizesse sentido apenas falar em produtividade no trabalho. se este fosse o caso, ainda precisaríamos adjetivar ou explicar tanto o significado dessa palavra ou a nossa perspectiva ideológica?
entendo que por vezes é mais confortável usar a palavra produtividade para ser entendida. e também para vender – porque as pessoas entendem. mas já não sei o quanto faz sentido ou não lutar pela definição deste conceito. afinal, se eu vendo produtividade, não estaria eu mesma afirmando a lógica meritocrática que critico e combato?
é claro que quero otimizar alguns processos na minha vida para dar mais atenção àquilo que me importa. para ilustrar: quero conseguir dar conta de fazer as tarefas domésticas no dia a dia de forma que eu me sinta confortável na minha casa mas não prejudique meus momentos de lazer. e quem não quer? só não tenho me sentido confortável ao chamar isto de produtividade.
este texto apresenta mais perguntas do que respostas – e eu gostaria muito de saber o que você pensa sobre o assunto. se quiser conversar mais sobre o tema, escute o episódio do podcast negacionismo contemporâneo com a participação do homem cícero villela. basta clicar aqui!