sobre micro-rotinas e objetivos

há algum tempo, estava recebendo muitas propagandas de um aplicativo que me prometia o desenvolvimento de rotinas adaptadas às minhas necessidades e objetivos.

o aplicativo me era vendido como um jogo: eu escolheria o meu objetivo e ele determinaria quais hábitos eu deveria encadear na minha rotina, em uma ordem determinada, e em um horário específico para alcançar o objetivo previamente determinado.

não testei o aplicativo – e, por isso, esta não é uma resenha. este texto pretende apenas iniciar uma reflexão e te convidar para essa conversa a partir de várias pulgas que me surgem atrás da orelha.

para ilustrar, vou citar os objetivos que me foram oferecidos na propaganda: físico, mental, produtivo e auto-aperfeiçoamento. a propaganda dava a entender que, dependendo do objetivo escolhido, o aplicativo me sugeriria: o horário de acordar e duas ações – que seriam o primeiro e o segundo hábito do dia, após me levantar. vale notar também que os hábitos sugeridos eram super quantificados: ler x páginas de um livro, meditar por y minutos etc.

pulgas atrás da orelha

me chama atenção o quanto nos apegamos a rotinas tão pequenas para alcançar objetivos tão maiores. alimentamos a ilusão de que meditar por 5 minutos é a chave para o aumento da nossa produtividade. e não basta meditar por cinco minutos: isto deve ser feito depois que você arrumar a cama. às cinco da manhã.

parece que uma rotina mais produtiva depende unicamente dos hábitos que você desenvolve em um determinado horário do dia. como se não houvessem outros fatores a considerar: o seu contexto de trabalho, a sua personalidade, os seus desejos e as suas dificuldades, por exemplo.

utilizo a produtividade como exemplo pela familiaridade com o tema. mas, imagino que podemos expandir para as opções auto-aperfeiçoamento, físico e mental, também oferecidas pela propaganda.

para além disso, é o aplicativo que determina o que significam estes objetivos. por que abrimos mão de definir o que seria auto-aperfeiçoamento para nós? ou qual é a produtividade possível no nosso trabalho? a vida deve ser produtiva também? o que é uma rotina cujo objetivo é físico ou mental? os dois são necessariamente diferentes?

outra questão que me surge é o quanto estamos desconectadas de nós mesmas. não confiamos mais em nós para entender o que é possível ou desejável em nossas rotinas. novamente: não conheço o funcionamento do aplicativo. mas, me chama muita atenção o quanto sua proposta terceiriza algumas decisões.

eu imagino o quanto é tentador pagar uma mensalidade para receber uma rotina pronta para você seguir. uma rotina que promete que você alcançará seus objetivos. ora, basta seguir! isso é quase masoquista. enquanto não aprendemos a olhar para nossa própria vida e para o contexto no qual vivemos com agência para tomar decisões, não mudamos. vivemos no ciclo de tentar seguir rotinas artificiais e não conseguir e achar que o problema está, na verdade, com a gente. este ciclo reforça o nosso sentimento de impotência – e, talvez por isso, faça sentido testar outra rotina artificial (porque é isso que sabemos fazer e porque isso nos mantém afastadas de uma análise mais cuidadosa sobre as nossas vidas) porém elaborada por um aplicativo (já que testamos criar rotinas nós mesmas e não tivemos sucesso).

por fim, me pergunto: tudo precisa ter objetivo? entendo que tudo que fazemos se conecta a uma filosofia de vida – quer tenhamos consciência disso ou não. isto não significa que cada ação está atrelada a um objetivo. este texto não é o lugar para desenvolver essa conversa, mas eu te convido a pensar sobre o assunto.


reforço, esta não é uma resenha e eu não testei o aplicativo. se você também sentiu pulgas atrás da orelha, toca essa conversa comigo <3

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