ultimamente, eu e meu corpo temos conversado bastante. e isto é particularmente especial para mim, pois nós dois nunca tivemos muito papo.
minha relação com meu corpo é completamente insana – algo que descobri depois de anos de análise. eu tenho uma capacidade acima da média de ignorar o que sinto, e tenho meus motivos devidamente enraizados no meu inconsciente para justificar porque desenvolvi esta habilidade peculiar.
não cabe, neste texto ou neste veículo, explorar os meus porquês. quero trazer uma reflexão a partir do que tenho vivido nos últimos anos e, em especial, nos últimos meses.
sofro de diarreias diárias há pelo menos sete anos. no último ano, por conta do agravamento de um comer transtornado com o qual também já convivia há mais de uma década, senti com mais força os efeitos de um intestino que não funcionava bem.
foram diversas idas ao hospital, apenas para tomar soro – tamanha minha fraqueza. cheguei ao ponto de não aguentar praticar atividades físicas, porque até ir ao supermercado era desgastante.
e eu apenas deixei de trabalhar quando a situação chegava a pontos críticos. e eu preciso explicar, aqui, o que significa ponto crítico: dores tão intensas que causavam ânsia de vômito ou fraqueza extrema que me obrigava a tomar soro na veia. trabalhar literalmente cagada não era ponto crítico – quando, claramente, deveria ser.
escutar o corpo?
que fique claro: não estou romantizando o trabalho em condições deploráveis de saúde, ou engrandecendo a capacidade de trabalhar doente. quero refletir sobre o que me faz chegar a este ponto – e me faz, inclusive, escrever sobre esta situação de maneira tão exposta por aqui.
o corpo grita para ser ouvido. grita para chamar atenção: houston, we have a problem. ele diz: você precisa mudar. você pergunta: o quê? ao passo que ele responde: descubra.
e, enquanto você não descobre, o corpo segue gritando.
aqui, então, chegamos ao impasse: não é possível parar a vida para escutar o corpo. é preciso seguir entre gritos e tapar os ouvidos para trabalhar e estudar, mesmo quando o corpo implora. vivemos em um sistema que nos obriga a ignorar nossos corpos. e, ao longo da vida, desenvolvemos as mais diversas estratégias inconscientes para fazê-lo.
ponto de equilíbrio
dado o contexto, é necessário encontrar um ponto de equilíbrio – para que o cenário não seja dramático como esse que estou vivendo, unicamente porque deixei que chegasse até aqui (e porque fui negligenciada por alguns médicos, também rs),
isso se descobre na prática. cada uma descobre no seu ritmo como lidar com um corpo que chora. cada uma aprende a identificar, no seu próprio tempo, quais gritos precisa abafar para para atender mais tarde. cada uma aprende quando e quanto é possível ignorar o corpo para priorizar o trabalho – sem o qual, muito provavelmente, não seria possível ter as condições materiais para cuidar de si.
por isso, este não é um texto que te implora: escute seu corpo. porque agir conforme o corpo pede é, às vezes, impossível – porque a estrutura econômica não permite. por outro lado, este não é um texto para reforçar o que o sistema te impõe: que você deve ignorar o seu corpo e ser mais forte do que ele. estou te contando onde isso me trouxe e afirmando: não é bom estar aqui.
este é um texto que diz: tente não se culpar, olhe para onde você está agora, e busque encontrar o equilíbrio dentro do que é possível para você neste momento.